Direito Civil /Direito Imobiliário
Usucapião é uma forma de conseguir a propriedade de um bem, seja móvel ou imóvel. De modo geral, é necessário fazer uso deste bem por determinado tempo, comportando-se como dono e sem que haja oposição à posse, além de outros requisitos. Na legislação brasileira, está prevista principalmente no Código Civil.
Existem diferentes tipos desta ação, cada um com seus requisitos específicos.
A ideia aqui é justamente trazer um conteúdo completo, com os principais pontos sobre eles, seu funcionamento e previsão legal. E, assim, esclarecer as dúvidas mais comuns sobre este tema tão difundido na sociedade brasileira e tão importante para o Direito.
Quer saber detalhes? Continue a ler esse artigo! 😉
Neste texto você confere
- O que é usucapião
- Requisitos da usucapião
- Usucapião de bem móvel:
- Usucapião ordinária
- Usucapião extraordinária
- Usucapião de bem imóvel:
- Usucapião ordinária de bem imóvel
- Usucapião extraordinária de bem imóvel
- Usucapião especial urbana
- Usucapião especial rural
- Usucapião coletiva
- Usucapião especial indígena
- Usucapião especial familiar
- Procedimento: judicial ou extrajudicial?
O que é usucapião?
Usucapião é uma forma de conseguir a propriedade de um bem, seja móvel ou imóvel. Falamos muito sobre usucapião de imóveis, que permite a obtenção do seu registro regular, mas também é possível conseguir a usucapião de bens móveis como, por exemplo, de um carro.
A discussão sobre o assunto começa no seu gênero: seria “A” ou “O”?
Há quem defenda ambas, e, particularmente, não me incomoda nenhuma das formas de utilizar o termo. Mas o leitor mais atento vai notar que eu sempre digo “a usucapião”, e existe um motivo para isso: o Código Civil.
Ao falar sobre tema, o Código Civil sempre utiliza o gênero feminino, começando no nome da seção: “Da Usucapião”. Por isso, prefiro utilizar a forma do Código.
Requisitos da usucapião
Existem diferentes tipos desta ação – e falei sobre eles em detalhes mais abaixo.
No entanto, todas as espécies de usucapião possuem 3 requisitos em comum:
- Animus domini: trata-se do comportamento como dono ou proprietário do bem. Não basta estar de posse do bem, mas é necessário que a pessoa se comporte como dono: arque com os custos, faça manutenção, se apresente como proprietário.
- Inexistência de oposição à posse: não pode haver contestação à posse, que deve ser pacífica.
- Posse ininterrupta por um período de tempo: deve haver um período de tempo com a posse sem oposição. Esse período varia para cada espécie de usucapião.
Existem outros requisitos que vão variar com as demais espécies de usucapião, no entanto, esses listados acima são comuns a todos os tipos.
Usucapião de bem móvel
Como dito anteriormente, os bens móveis (como carros, entre outros) podem ser objeto de usucapião, conforme previsto nos arts. 1.260 e 1.261 do Código Civil. Há duas possibilidades: ordinária ou extraordinária.
Ordinária
A usucapião ordinária está prevista no art. 1260 do Código Civil, que dispõe:
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.”
Para que se obtenha a usucapião ordinária de bens móveis, é necessário ter animus domini (ou seja, o comportamento de dono), inexistência de oposição à posse e manutenção da posse ininterrupta pelo período de 3 anos.
Além disso, são necessários dois requisitos adicionais: existência de justo título (ou seja, um documento que comprove a aquisição, que pode ser um contrato, um recibo ou documento semelhante) e a boa-fé, que se configura no desconhecimento de que havia qualquer tipo de problema com o bem.
Extraordinária
A usucapião extraordinária de bens móveis tem apenas os requisitos de animus domini, inexistência de oposição à posse e posse ininterrupta pelo período de 5 anos.
Sua previsão está no art. 1.261 do Código Civil:
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.”
Neste caso, como o lapso temporal foi ampliado, a lei não exige justo título ou boa-fé.
Usucapião de bem imóvel
Sabemos que bens imóveis são fonte de inúmeros conflitos no Brasil, tanto pela sua importância social, quanto pela existência de inúmeros imóveis em situação irregular.
Por isso, temos diversas formas diferentes de usucapião de bens imóveis, que vamos indicar abaixo.
Usucapião ordinária de bem imóvel
A usucapião ordinária está prevista no art. 1.242 do Código Civil, que dispõe:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
Como podemos ver, os requisitos para a usucapião ordinária de bens imóveis são:
- O animus domini, ou seja, o comportamento como proprietário do bem;
- Inexistência de oposição à posse;
- Existência de justo título, ou seja, de um documento que se acredite ser suficiente para a transmissão do bem;
- Boa-fé; e
- Posse ininterrupta pelo período de 10 (dez) anos.
Há, ainda, a possibilidade de reduzir este prazo para 05 (cinco) anos, em uma hipótese muito específica: se o imóvel foi adquirido onerosamente, com base em registro no cartório competente posteriormente cancelado, e somente caso os possuidores tiverem estabelecido moradia ou realizado investimentos de caráter social e econômico no imóvel.
Podemos ver que é uma hipótese bem específica, que busca destacar a situação de cancelamento posterior do registro, além de destacar a função social da propriedade.
Usucapião extraordinária de bem imóvel
Outra possibilidade é a usucapião extraordinária de bem imóvel, prevista no art. 1.238 do Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”
Os seus requisitos são:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 15 (quinze) anos.
Como podemos ver, para a usucapião extraordinária não são necessários justo título nem boa-fé.
Também há uma possibilidade de redução do prazo para 10 (dez) anos, caso o possuidor houver estabelecido sua moradia no imóvel, ou tenha realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Vemos que a causa de redução é bem diferente do caso da usucapião ordinária, sendo a extraordinária mais abrangente.
Usucapião especial urbana
A usucapião especial urbana está prevista em três locais: art. 183 da Constituição, art. 1.240 do Código Civil e art. 9º da Lei 10.257/2001. Segue o texto da última:
Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.”
Seus requisitos são:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 05 (cinco) anos;
- Utilização do imóvel para moradia sua ou de sua família;
- Imóvel de até 250m²;
- Não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural;
- Não ter tido reconhecida esta forma de usucapião anteriormente.
Apesar do lapso temporal mais curto, essa espécie de usucapião tem limitações na destinação e no tamanho no imóvel, além de só pode ser alegada uma vez.
Usucapião especial rural
Assim como a propriedade urbana possui um tipo especial de usucapião, a propriedade rural também possui, com previsão do art. 1.239 do Código Civil:
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”
Seus requisitos são:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 05 (cinco) anos;
- Utilização do imóvel para moradia, além de torná-lo produtivo pelo trabalho próprio ou da família
- Imóvel de até 50 hectares;
- Não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.
Podemos ver que ela é muito semelhante à usucapião especial urbana, com a diferença de que não existe a limitação de poder ser reconhecida apenas uma vez.
Usucapião coletiva
A usucapião coletiva está prevista do art. 10 da Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade:
Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”
Trata-se de uma modalidade de usucapião utilizada para regularizar imóveis de baixa renda, por isso a referência a “núcleos urbanos informais”.
Seus requisitos são semelhantes à da usucapião especial urbana:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 05 (cinco) anos;
- Utilização do imóvel para moradia sua ou de sua família;
- Imóvel de até 250m²;
- Não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.
A grande diferença aqui é que a propriedade será dividida entre diversas pessoas.
Há mais algumas exigências e alterações quanto à legitimidade ativa, mas não vamos entrar em detalhes pois a ideia deste artigo é ser uma visão geral sobre usucapião.
Usucapião especial indígena
A usucapião especial indígena é prevista no art. 33 da Lei 6.001/1973:
Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.”
Aqui, temos como requisitos:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 10 (dez) anos;
- Imóvel de até 50 hectares.
Trata-se de proteção especial constante do Estatuto do Índio.
Usucapião especial familiar
Prevista no art. 1.240-A do Código Civil, esta é uma previsão específica para o divórcio, havendo abandono de lar por um dos cônjuges:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Seus requisitos são:
- Existência do animus domini, o comportamento de proprietário;
- Inexistência de oposição à posse;
- Posse ininterrupta por 02 (dois) anos;
- Utilização do imóvel para moradia sua ou de sua família;
- Imóvel de até 250m²;
- Não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural;
- Abandono do lar pelo outro cônjuge.
Essa modalidade de usucapião visa proteger o cônjuge que fica no imóvel, com seus ônus, sendo abandonado pelo outro cônjuge.
É importante destacar que não se discute eventual culpa pela separação ou divórcio neste tipo de usucapião, nem se trata de uma tentativa de evitar a sua ocorrência. O objetivo é impedir o abandono por um dos cônjuges, ou seja, a situação irregular, não efetivada juridicamente, com o desaparecimento deste.
Procedimento: judicial ou extrajudicial?
A usucapião pode ser buscada nas duas formas: judicial e extrajudicial.
A forma judicial é bem conhecida dos advogados, e costuma ser até mesmo a primeira escolha. No entanto, trata-se de um processo demorado, o que pode ser prejudicial ao cliente.
Assim, criou-se a usucapião extrajudicial, permitindo um trâmite mais rápido fora da justiça. Independente da forma escolhida, é importante contar com a ajuda de um profissional qualificado, que entenda as vantagens e desvantagens de cada espécie.
Conclusão
Busquei passar aqui uma visão geral da usucapião, apresentando as principais formas e seus requisitos. Trata-se de um instituto muito importante para a regularização da propriedade, sendo um instrumento importante de justiça e pacificação social.
É essencial sempre verificar qual espécie de usucapião se encaixa melhor ao caso analisado, especialmente considerando a documentação existente (ou a sua ausência), possibilitando sempre a melhor escolha.